O ADVOGADO E O PRAGMATISMO JURÍDICO
Os escritórios de advocacia, ao evoluírem da máquina de datilografia para o computador pessoal e a internet, deram um salto tecnológico que mudou completamente a forma de administrar os serviços profissionais e o modo de exercer a profissão.
Anteriormente à máquina de datilografia, os processos judiciais recorriam à oralidade, com registros manuscritos das ocorrências. Mas, no início do Século XIX, por volta do ano 1808, surgiu a máquina de datilografia, que reinou absoluta até o início de 1980. Com a facilidade da escrita mecânica, os processos judiciais se tornaram predominantemente escritos, o que levou os escritórios de advocacia admitir os serviços de Secretárias-datilógrafas, que exibiam com orgulho seus certificados de datilografia para ganhar o emprego.
Assim, os escritórios foram se modernizando com equipamentos que auxiliavam na condução dos processos, como o telefone (com centrais que distribuíam as ligações em ramais), a copiadora, o scanner, a impressora e o fax. Os serviços profissionais também se complicaram, passando a exigir a contratação de “leitores”, que eram encarregados de ler imediatamente os Diários de Justiça dos tribunais estaduais onde os escritórios tinham processos em andamento, bem como os Diários de Justiça da União, para acompanhar os processos nas instâncias federais; eram, também, admitidos arquivistas que cuidavam da catalogação das cópias dos processos físicos e seu arquivo até que atingissem o prazo prescricional.
Nesse contexto, o que os advogados faziam em seus escritórios? Em geral, se dedicavam à pesquisa para instruir seus processos. Para isso, deviam possuir uma boa biblioteca, que era uma espécie de ser vivo que alimentava a intelectualidade dos advogados com livros dos mais renomados doutrinadores do Direito brasileiro, bem como de autores portugueses e italianos, e, ainda, com dicionários e enciclopédias jurídicas e livros e revistas de publicações periódicas, que traziam as leis novas e as mais atuais doutrinas e jurisprudências dos tribunais estaduais, dos tribunais superiores e do Supremo. A quantidade de obras à disposição dos advogados muitas vezes alcançava uma quantidade tal que era impossível fazer uma leitura cuidadosa de todas as obras, que passavam a ser objeto de futuras consultas sobre temas específicos e de interesse momentâneo dos advogados. Daí a procura de livros de modelos ou “minutas” de petições que ajudavam os advogados menos experientes a produzir suas peças processuais.
Pois bem, a partir de 1980 foram desenvolvidos os computadores pessoais que, logo, passaram a substituir as máquinas de datilografia. Mas, não só isso: os computadores tinham “memória” em que se podia guardar as petições e o processo inteiro. E com o desenvolvimento da internet, tornou-se ilimitado o uso do computador, pois absorveu todo o serviço manual do escritório de advocacia, chegando a ponto de se dizer que os dedos do usuário no teclado do computador é o “elo” que liga as memórias de ambos. Os advogados passaram a fazer seus estudos no próprio computador, e não mais na biblioteca, e, muitas vezes, dedicando-se à procura pela internet de “minutas” prontas de peças processuais e para captar jurisprudências dos tribunais. Eles próprios passaram a fazer suas petições, a receber intimações, a examinar os processos em tempo real, e a falar pelo WhatsApp com seus funcionários, clientes, cartórios e com o mundo. Sumiram dos escritórios as Secretárias-datilógrafas, os “leitores” de intimações processuais, o fax, a copiadora, o scanner e os arquivos físicos de processos.
Paralelamente a isso, notou-se que os arrazoados robustos, bem fundamentados na lei e na doutrina, foram minguando, pois a própria internet exigia trabalhos mais limitados. Para atender a essa limitação, bastava que uma citação de lei fosse acompanhada por uma jurisprudência, ainda que minoritária ou isolada; por isso, as petições se tornaram cada vez mais resumidas, com pouca ou nenhuma sustentação doutrinária.
Mas, essa falta de conteúdo doutrinário tem levado os advogados a tomar uma atitude mais ousada, que interpreto como “nova advocacia”, que é a introdução de comentário próprio e individual do advogado sobre a lei aplicável ao caso em discussão. Essa salutar disposição revela-se na capacidade de interpretar o texto legal, fato que leva o advogado ao pragmatismo jurídico.
Esse pragmatismo jurídico, intencional ou não, assemelha-se ao movimento ocorrido no judiciário norte-americano no início do século passado, que se baseava em três pontos: a contextualização, que determinava o julgamento de acordo com realidade das necessidades humanas e sociais; a consequência, que determinava o julgamento pela realidade de suas consequências e resultados possíveis; e sem conservadorismo, que se caracterizava pela aplicação da realidade do fato, eliminando-se conceitos abstratos, metafísicos ou dogmáticos.
Muito bem, para que o advogado possa operar o Direito sem que seu arrazoado seja uma tabula rasa, deve fazer o esforço de sustentá-lo com base no pragmatismo jurídico, fazendo uma interpretação clara da lei aplicada, de acordo com seu contexto, para obter consequências e resultados possíveis, sem o conservadorismo estático da doutrina.
Quem sabe possa nascer dessa disposição grandes intérpretes pragmáticos da nova advocacia!
Fica o desafio lançado aos jovens advogados do escritório.
Jefferson do Carmo Assis
OAB-PR inscr. 4.680
Ld., 10/05/2020